Algumas
semanas atrás, enquanto assistia a um bom programa de calouros de sábado à
tarde, ouvi uma canção gospel sendo interpretada por uma das candidatas
daquele concurso. No momento em que a banda tocava os primeiros acordes, e a
menina entoava as primeiras linhas da melodia, fiquei na expectativa e
na imaginação de que a letra daquela música pudesse ser tão surpreendente
quanto à bela voz da intérprete, ou quanto à perfeita execução instrumental.
Mas infelizmente, meu desejo por uma boa letra de música cristã ficou apenas em
minha expectativa e imaginação. E novamente eu vi “mais do mesmo”.
Eis
a bendita música: “Alvo do teu milagre”, de Benda Santos.
Alguns
me questionam o porquê de eu não concordar com essa ou aquela música evangélica
contemporânea, ou com esse ou aquele cantor gospel. E eu respondo sem rodeios,
porque, de fato, tenho algumas razões para descartar esses cantores do meu
playlist. E a principal delas está no fato de que essas músicas tiram o Deus Eterno
do seu lugar no trono, e o colocam em seu lugar o homem. E de que forma isto ocorre? Simples: isto ocorre quando estes digníssimos compositores criam músicas ditas de “louvor e adoração”,
mas que estão em primeira pessoa, onde os versos se canalizam para o “eu” e o “me”,
prevalecendo não palavras de adoração e exaltação a Deus, contrição e
reconhecimento dos atributos divinos, mas sim os desejos afoitos por milagres,
ressurreições, prosperidades, restituições e exigência de farturas de todos os
tipos, desde “celeiros transbordantes” até o “azeite na botija”. Na realidade, tais músicas
são expressões do turbulento evangelho do nosso tempo, adulterado pela teologia
da prosperidade e pelo retorno do homem ao centro do universo.
Quando versos como “faz um novo milagre em mim”, “eu quero um milagre inédito”, “preciso
de um milagre inédito”, “quero ser o alvo do teu milagre” e “nem olhos viram,
ouvidos não ouviram, o que está preparado para mim” são o tema de uma canção de louvor, tento entender o que
aconteceu com a nossa capacidade de compor músicas que exaltem a Deus
simplesmente pelo que ele é, independente do que ele possa vir a fazer. Penso em
quão fracos nos tornamos que não podemos louvar ao Eterno na fraqueza, nos
momentos difíceis, em situações de escassez, atribuindo todas as dificuldades que enfrentamos a satanás. Penso nas letras dos hinos clássicos, e mesmo nas boas composições de alguns anos atrás que se cantava na maioria das igrejas, que tinham Deus
por figura principal, e não o homem, carente de sinais e afoito por milagres,
elegendo ele mesmo a operação de milagres e o fornecimento de bênçãos como condições para que possa anunciar o evangelho.
Dispenso
comentários sobre a minha crença no poder de Deus e nas suas manifestações
milagrosas, pois acredito que os que leem estas linhas são maduros o suficiente
para não interpretarem meu posicionamento a respeito do poder divino de forma equivocada.
Mas quando se canta: “preciso de um milagre inédito para que sua glória possam
ver”, ou “vou contar ao mundo que tu faz milagres nunca revelados”, penso nos ensinamentos
de Cristo nos evangelhos, que concordam em que o mundo conhecerá o poder de
Deus por ações que vão muito além de “milagres sobrenaturais”:
Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que
vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.
Mateus 5:16
Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és
em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que
tu me enviaste.
João 17:21
João 17:21
Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros.
João 13:35
João 13:35
A
principal condição para que o mundo creia em Cristo não se limita aos milagres, mas sim ao vivermos em unidade, ao exercermos o amor mútuo, e ao mostrarmos
para o mundo boas obras que brotam de um coração puro e regenerado, condições que somente quem é nascido de novo pode
cumprir. Este é o verdadeiro milagre. Esta é a verdadeira vitrine. São por
essas atitudes que o mundo reconhecerá e glorificará a Cristo como Senhor. E os
“milagres sobrenaturais”? A meu ver, no contexto desta música e do nosso
evangelho “fast food”, eles servirem muito mais para aplacar o ego humano em seu
desejo insaciável pelo recebimento de bênçãos do que para qualquer outra coisa. Nesse
caso, é muito mais cômodo pedir um "milagre inédito" para mostrar aos outros o poder divino do que
testemunhar Jesus com atitudes, caráter, conhecimento bíblico, amor incondicional e boas obras para com os não crentes.
Aliás,
termos como “milagres sobrenaturais” e “milagre inédito” me incomodam demais. Existe
algum milagre que não seja sobrenatural? Partimos do pressuposto de que, se é
milagre, é sobrenatural. Se fosse natural, não seria milagre. É uma tremenda redundância, evidenciando a falta de critério e base bíblica para a composição desta canção. E o que define um
milagre inédito? Por que o desejo por um milagre inédito? Milagres que já
ocorreram com outras pessoas não servem? E já o uso do termo “amostra grátis de
milagres”, particularmente, me soa como de extremo mau gosto e pobreza para uma
canção de adoração.
Encerro
com as palavras de um amigo que, ao comentar esta mesma música na página do Youtube, questiona o seguinte:
“Queria saber qual é a verdade bíblica que existe nessa música? (...) Sei que a
licença poética permite muitas coisas, mas infelizmente as nossas igrejas estão
cantando músicas que dizem tudo, mas não comunicam nada... A voz dessa cantora
realmente é muito bonita, pena que não me trouxe nenhuma verdade bíblica”.
Músicas
mais profundas e que exaltem o nome de Deus, e não nosso ego, é do que
precisamos.
Em
Cristo
Leonardo
de Souza